Hoje não é um dia bom? Hoje é um dia qualquer?
Uma coisa quero, esquecer. Qual foi o dia da morte do meu pai?, quando perdi o amigo? Que dia parei de me comunicar com quem quase sempre pensava diferente de mim (e que me enriquecia tanto)?
Melhor pensamentos de passado, futuro e presente serem uma coisa só. Ele existiu. Eu o vi, conheci. Senti seu cheiro, sei da sua voz, do seu semblante.
Dersu. Ele esta morrendo, algumas pessoas que o conhecem vão se importar, mas pra mim com certeza será diferente depois do momento. Ele é mais relevante. Ele não morreu ainda, mas já não existe mais, sem som, parado, dormindo.... Sem irmãos, resta minha mãe. Sinto como se ela pudesse partir a qualquer momento, agora na casa dela. Responsabilidade? Bozo é claro. Não dá pra negar. Sentimento que se eu faltar, a Alice estará ainda mais desprotegida. Medo, de perder a própria vida, que nunca tive.
Mas não quero me enganar e santificá-lo. Não quero colocá-lo em pedestal, acreditar por algum motivo nas baboseiras deste momento que vem de todos os lados. Quero me lembrar dele, não do que eu gostaria do que ele tivesse sido! Não era meu herói, nem era livre de tolices, de auto engano, de momentos de egoísmo, dos nossos pontos cegos e da mediocridade. Ele era uma pessoa. Mas era o meu pai. E era uma pessoa melhor do que a maioria que conheci...
Hoje eu estranho tudo e num momento que julgava ser de lucidez mas que percebo ser de anestesia, preciso hora de silencio, hora do riso das meninas, daquela palavra da Claudia.
Dia estranho, estranha lucidez. Dia qualquer. Esquecer que dia é. Morrendo a qualquer momento. Sem data de validade, como um android de blade runner. Dersu!
Se fosse pra escolher uma cena apenas, pela beleza, pela música, pela poesia, Dersu, narrando ao capitão parte da sua história, incapaz de entender a maldade, não entende por que o roubaram. Meu pai as vezes tinha destas. Não tenho esta esperança, não compartilho da maior fé do meu pai, do príncipe Liév Míchkin e do Eduardo Suplicy: de que a justiça e a bondade perduram. Interpreto que a esperança deles é por não aceitarem a realidade. Talvez o mundo seja a pantomima violenta do Tchekhov em No fundo do barranco, a ignorância assustadora de Os Mujiques ou a ingratidão amarga do Guy de Maupassant em Bola de sebo. Interpretações, empresto sentimentos meus: só existe darwinismo silencioso e indiferente. E é como termina. A boa vontade do capitão, nos ensina Kurosawa, é penalizada. A arma dada para ajudar o amigo é o que acelera sua morte. Nosso destino será enfim a morte. A morte tudo esta condenado. Hoje em particular, não é surpresa que tenha ficado mais clara "a suave indiferença do mundo"... Só estou amargo? "Os homens julgam segundo suas convicções, pouco se importando com a verdade... "
https://www.youtube.com/watch?v=P3SKsnpyhyo
Então vem uma liberdade completa no final das contas com a morte das pessoas com as quais se sente de alguma forma preso. Então você se da conta que não precisa atender expectativas dos outros... E tenho as minhas tão pequenas...É o medo também meu esta esperança que sinto quando penso: mais velho perto de casa, mais ataraxia?
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