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Sobre a miséria

Há pouco mais de 25 anos ao contratar um plano de internet, conheci o dono de uma pequena empresa que hoje preside a associação comercial da sua cidade.

Não cabe explicar o por que do envolvimento, mas adianto que ele sempre procurou mostrar-se cidadão de bem, promotor de benesses, gerador de empregos, confiável, inovador, esforçado. 

Além das aparências, inegável que tinha o topete dos justus e trunfos como o trump: um pai com dinheiro a mão e certa falta de empatia, que não o ajudava e que não veio junto com a confiança, mas que disfarçava ao sorrir quase constantemente (meio bobo da mesma forma com que seus pais agiam - afinal, ele era jr dos filhos). E claro!, durante a semana ele saia da casa do papai, com o carro do papai as 07:30, ia tomar o café da faxineira na empresa enquanto bisbilhotava logo cedo na internet em busca das novidades ... Um cara esforçado.

Meteu-se em todos os clubes (religiosos inclusive, é claro) e não poucas vezes divulgava eventos, onde os pequenos e médios empresários da metrópole se gabam do seu grande poder e influencia nas decisões relevantes do mundo. No caso dele, quem o via comentar, imaginava que tratavam de decisões que definiriam o futuro da via láctea...

Não me sinto feliz em dizer que as primeiras impressões mostraram-se verdadeiras: infantil, limitado, covarde e quando se tratava de clientes submisso e patético. Me exasperava vê-lo falar com qualquer pessoa que julgava ter poder e dinheiro e num misto de pena e embaraço fugia sempre que podia. Cada frase era de uma obviedade...  não conseguia ao ouvi-lo fugir do bocejo. 

Levou a empresa no modus operandi familiar e teve os resultados já esperados (a sorte não o premiou e as estatísticas fizeram sua parte - deu água a empresa com os burros junto).

Chegou então o coronavirus e a associação que só promove o bem, presidida pelo rico coitado, resolveu ir contra qualquer medida preventiva e ajudar na propagação de desinformação e mentiras deslavadas para garantir o emprego de todos, afinal, este é o papel dele e do seu presidente, do qual fala como se fosse um velho amigo...    

Passo visão errada se parece que não lembro dele com nenhuma simpatia. Tenho a mesma quando lembro do Bernard em admirável mundo novo - alguém que angustiado por não fazer parte, não enxerga alternativa a não ser tentar ser amado, agradar a qualquer custo. Não acho engraçado lembrar das tentativas frustradas enquanto empresário, suas relações familiares extremamente tóxicas, seus devaneios, do papel ridículo, de vê-lo rico cheio de miséria, rastejando. Queria saber dele com sucesso, justo de fato, realizando e deixando realizar (inocência: o capitalismo é o da mais valia e do Refis de todos os governos federais que já passaram: só existe pra pobre!). Não há dor de cotovelo nem desprezo. É angustiante!, saber da elite do atraso que vende meritocracia - e este era estranhamente o discurso do dito... Idiota, farto de pão e com pequenos ou grandes poderes, pode promover o bem? 

Não vejo outra saída pra mim que não seja consumindo arte, onde ganho alguma interioridade - ele rejeita entretanto, tudo sempre é superficial como nas frases prontas do mesmo livro que sempre me cita. Mas ele não é tão plano assim e as vezes parece que  vai despertar... Mas faltam-lhe forças e coragem para mergulhar, os anos mimados o estragaram ...  

Depois de insistir um tempo na evangelização soube-me ateu e tentou entender: é por que a Alice nasceu com Down:? Não ouviu a resposta... não era possível outra interpretação - mesmo que eu fosse cético 25 anos antes dela nascer. Falta coragem e dúvida, remédio contra parasitas melhor que a ivermectina, contra corrupção melhor que juiz vendido, contra teoria da conspiração superior ao uso de psicotrópico, contra nosso hábito de sucessivos golpes na republica, mais seguro que colocar o dinheiro nas ilhas Cayman ou no Credit Suisse. Ela também não é de graça e precisa pra funcionar ao invés de propina a percepção da nossa verdadeira miséria, a condição humana.  Mas tudo é afinal um alivio temporário,  "a vida é uma causa perdida.", a morte todas as criaturas ainda estão condenadas. Nisto o palhaço que ele venera tem razão.






Comentários

Anônimo disse…
Meu caro.... Sensacional. Gustavão, continua otimista! =)

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