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Ao amor perfeito

Um dia quando acordei tendo consciência de que minha inocência era insustentável, escrevi algo tolo e pretensioso, que julguei verdadeiro por falar sem medos de algumas das minhas sensações e angústias. Soa para mim como um grito desesperado da nossa condição humana, do nosso isolamento irremediável.

"A todos os que me amam e aos quais eu amo, aos que sentem mais do que pensam e aos que acreditam nos sonhos como únicas verdades."

No mínimo estranho, escrever um texto para quem ainda não conheço. Não sei quando foi exatamente que tive esta idéia, mas foi depois de perceber a diversidade, as mil possibilidades que a rede permite, e que aqui seria um lugar, como qualquer outro, para conhecer alguém interessante.
Pensei em escrever várias coisas sobre quem eu procurava, que fosse alguém culta, sincera, que tivesse compaixão, que fosse alegre, mas acho que isto é muito genérico para se escrever, isto realmente não fala muito sobre alguém.
Cultura não torna ninguém melhor, sinceridade é relativa (e há quem a veja na pura pacholice), compaixão é muitas vezes confundida com cuidado e a verdadeira alegria deve ser serena e interior, não apenas ir a festas ou igreja para se exorcizar.
O que sei é que precisava ser uma mulher 'íntegra nas coisas do espírito até as últimas conseqüências, que jamais se pergunte se a verdade é útil'. É preciso que entenda de solidão por que vai valorizar os momentos que puder compartilhar. É preciso ter uma inclinação para o labirinto e uma predestinação para o bem, ou como será possível que construamos algo? É imprescindível que nos seus ideais e seus segredos mais íntimos seja uma sociopata e só conseguirá isto sabendo duvidar de si e tendo absoluta liberdade para consigo mesma. Só assim vai saber valorizar chuva, poesia, solidão e amor verdadeiro; o que de bom pode encontrar pela vida. Só assim vai poder saber o que se é, só assim não obedecerá aos costumes e às regras ditadas pelos outros, com o padrão 'global', com a moda, a vizinha ou o que é senso comum. A questão é que 'vestir o hábito' e usar dos costumes e do senso comum podem até alterar o impulso da natureza, mas não farão de você alguém melhor; é preciso ser obcecada em descobrir o que se é e não em buscar ter hábitos, por que só quem se conhece pode melhorar e ser realmente livre.
Não precisa ser alguém que saiba suportar inseguranças e medos, sozinha, ou que busque em mim a segurança que resolva a sua vida, nós homens não temos nenhuma fórmula mágica, embora eu já tenha sentido que esperavam isto de mim. Quem, com um pouco de sensibilidade, não é carente?! Para ter confiança em si, precisa ser alguém bastante ingênuo, ou pelo menos o suficiente para ter alguma certeza. Tenho confiança que amanhã os pássaros irão cantar e que a chuva é precisa. Sei que altivez quase sempre é insegurança e que demonstrar fraquezas muitas vezes é sinônimo de força interior. Talvez por isto é falsa a fraqueza sempre imputada às mulheres, que sabem que demonstrar o que sentem é sinônimo de querer encorajar-se, fechar para balanço, algo que elas fazem bem melhor do que nós criaturas de ação, que imaginamos resolver um problema simplesmente lutando contra ele e não deixando o tempo passar. Não foi outro o motivo que fez o bardo dizer, talvez numa autodefinição, pela boca de um personagem: eu tenho a mente de um homem e a força de uma mulher, e é isto o que me sustenta a vida..
Sabe estar feliz estando consigo e escutando música antiga? Ficar olhando chuva, lembrando de versos, sonhando acordada, ficar feliz quando reconhece uma frangância, um perfume, como um pedaço seu esquecido?! Voltar-se pra interioridade.. Sei lá, podia ficar falando, falando, e no fundo acabaria só falando de mim, ou do que eu busco. Não se assuste. 'Em todo o verdadeiro homem se oculta uma criança: uma criança que quer brincar.' Mulheres, descobri no homem a criança! =)
Eu sou alguém tão comum (ainda não decidi se o fato de ser comum é bom). Procuro como muita gente me sentir parte de alguma coisa, ser amado, amar. Sei de muitos defeitos que tenho (algumas vezes nem sei, da maior parte deles provavelmente), e que eles são batalhas intermináveis, derrotas e vitórias a cada instante. Mas deixa-se viver... Fluir... Calmamente se reaprende a saborear. 'Somente existe luta pra se reaver o que se tem perdido e encontrado e perdido muitas vezes'.
Tentando então falar sobre aqueles sentimentos mais íntimos, os que não são nada tagarelas: o que me sustenta na terra é que há vida em mim, pelo menos sensações, e que sou alguém, tenho individualidade e um amor enorme em ser construtivo, há pulsação e calor, há prazer em várias coisas e tenho muitíssimo que aprender, com a vida, com as pessoas. Sei que não há nada de extraordinário no meu destino. Não serei original em nada e tenho consciência da pequenez das minhas idéias. Mas mesmo assim muitas e muitas vezes sou extremamente feliz. Quando leio o Alberto Caeiro, sempre debaixo do mesmo pé de romã. Quando respiro bem fundo e imagino que, por mais descrente que eu seja, a vida pode ter mais significados do que apenas ela em si mesma, e que nada pode estar fechado na minha cabeça, a não ser o fato de buscar uma vida benigna e útil.
Quando olho para traz e vejo que as coisas deveriam ser exatamente como foram, sou feliz. Nem sempre é assim. Mas eu sei que amar o meu destino (como disse o mais sensível dos poetas) é o amor máximo a vida e a tudo o que há de bom. Niilismo? Talvez.
Só queria achar alguém que valesse a pena para variar. Ás vezes parece difícil, alguém que viva poesia e saiba que ela não é apenas palavras, ela é a alma, é o que nunca pode faltar. Será que há alguém que ache que compartilhar é uma maneira de transcender e saiba dividir o enlevo que é estar vivo, não apenas compartilhar a dor? Que queira ser minha melhor amiga e saiba que todo amor, se é amor, é incondicional. Acho tão simples amar alguém, imprescindível ter alguém companheira, que divida gostos, some idéias, proponha mudanças e lute por ideais. Tento não procurar um espelho; me projetar em alguém, como é comum quando um relacionamento começa, não traz felicidade. Mas não é algo simples. É luta. Fidelidade a algo maior que é a própria união, sacrifício do ego em benefício desta relação. E neste caminho de privação há tanto o que aprender: a se anular algumas vezes, a servir e encorajar outras tantas, para um dia finalmente ter plena consciência de que necessitamos 'amar mais do que ser amados'.
Voltando a ela que não é mulher ideal, não me interessa se é inteligente, se é culta, se é bonita, não me importa, não quero encontrar alguém por que assim cresceria meu status ou a minha imagem perante os olhos dos outros. Queria alguém para dividir a vida. Alguém que não busque grana, posição social ou reconhecimento. Não acho que se deva fazer algo esperando a vida eterna. Se espera ser pago por ajudar alguém ou se simplesmente se sente bem fazendo isto, acho que parte do valor já se perde... E não estou dizendo que consigo fazer isto.
O verdadeiro valor vem de olhar para todos os lados, saber ter empatia e reconhecer que somos limitados e frágeis, que tudo pode acabar num instante. As imperfeições não são o que nos permitem amar alguém? 'Tanto o artista quanto o homem apaixonado sabem que a perfeição não é digna de afeição'. 'A perfeição é algo tedioso'.
Se estou aqui e escrevo, não é por imaginar que alguém possa suprir todas as carências e resolver todas as mil complexidades que a vida humana tem, mas por que há quem poderá ser feliz comigo, há quem possa me fazer ainda mais feliz. Acho que realmente somos ilhas, jamais deixaremos de ser uma só pessoa, mas imagino que o tempo possa aproximar ao invés de afastar. O cotidiano pode não entediar... Talvez não haja o amor-perfeito e o sentimento de incompletude é apenas uma carência (sei lá por que!) que temos que resolver por nós mesmos, com ou sem ajuda. Será que é possível encontrar isto, na era da frivolidade e do egoísmo? Outra coisa é estar sempre disposto a acreditar que as pessoas melhoram. Há uma máxima que eu gostaria que norteasse qualquer relacionamento que tenho, mas que sinceramente não cheguei nem perto: se tomamos as pessoas como elas são, fazemo-las piores, se as tratamos como se elas fossem o que deveriam ser, conduzimo-las aonde cumpre conduzi-las. São necessárias muitas cumplicidade (velho chavão) e amizade para algo assim, o que na vida demanda tempo. Não espero conhecer alguém perfeita, longe disto. Espero conhecer alguém que tenha tolerância e que não espere perfeição de nada, mas que não se acomode consigo. (Se fossem tratar a qualquer um de nós como merecemos, quem escaparia das pedras?) Tolerância é a palavra chave do amor. Quantos casamentos não deixariam de ser desfeitos se simplesmente se entendesse que trocar a projeção de lugar não vai tornar ninguém mais feliz e que o compromisso e a responsabilidade devem pesar mais que qualquer ato egoísta?
Que se busque também alegria e felicidade e não espere que elas caiam do céu! 'Respeito muito minhas lágrimas, mas ainda mais minha risada!'
O engraçado é o tempo ir passando e a gente descobrindo que 90% das neuras são imaginárias.
Sei que é impossível se segurar em qualquer coisa. Nenhum apoio. Nenhuma certeza. Alguém disse que se mede a inteligência de alguém pela capacidade de suportar incertezas. Como não estou mais suportando a solidão, me entristece profundamente a possibilidade de ficar sozinho, devo ser bem idiota e patético.
Na verdade a única questão é 'encontrar um nível de consciência para além dos conflitos, entre ilusão e verdade, através do qual as vidas podem voltar a ser irmanadas'. E eu ainda estou engatinhando.
Então, muitas vezes, contrariando todas as expectativas, algo de luminoso e doce surge, tudo parece fazer sentido. Uma esperança. é o meu lado mais romântico. é o que há de melhor em mim. São o Parsifal, o bobo da corte e toda a sorte de panacas que coexistem dentro de mim, e que adormecem o lobo da estepe que muitas vezes sou (na verdade, Cyrano sem ter o nariz grande). Nestes momentos sinto o arrebatamento que se dá ouvir pela primeira vez a Nona, uma música doce e profunda, que não se consegue explicar, só sentir. Fico exausto e o sono que se segue é encantado.

Estados de espírito ou como estou deixando de ser um lobo da estepe.
Em um instante tudo se tornou tão lúgubre como a bruma de um sonho, como nas histórias que me contavam, sobre Scion, Loahr e as terras altas. Estava totalmente só e a escuridão era completa. Ouvi então a cantiga de um dançarino, Z. (mais conhecido como o Destino), o que derruba ídolos. Ele falava sobre um mar tumultuoso: agora eu irei sozinho: oh meus discípulos, ide também vós e sozinhos! Recomenda-se mal um mestre se ficamos sempre apenas discípulos. Eu sou venerado por vós? Mas que seria de vós se o objeto de vossa veneração algum dia desmoronasse? Cuidado: não vos deixeis esmagar por uma estátua. Não tínheis ainda procurado vós mesmos; então encontrásteis a mim.
Doeu escutar isto e imaginei que nenhuma dor poderia ser maior do que esta. Era jovem como ainda sou, mas ainda mais pretensioso, ao menos o bastante para julgar que era quem mais sofria neste mundo e que nada poderia ser mais aterrorizante. Esta cantiga é paixão, é destruidora. Acontece na vida como Isolda, a Bela. É a Jeanne Moreau cantando Le Tourbillon...
Depois disto, só depois disto, ouvi uma cantiga parecida com tudo que já me disseram sobre música, mas ela é única pra cada um, embora se pareça com as cantigas ouvida por outros antes, nos primeiros acordes. Logo ela se encaminha para um canto uníssono e maravilhoso. É a cantiga do menino. Sobre a experiência de ouvi-la nem amigos nem os livros podem ajudar, só entende desta música, quem já a ouviu primeiro sozinho. Ela só é ouvida quando você se sente mais sozinho que em qualquer outro momento da vida e tem certeza que toda a felicidade é em vão... Ela é sentir o vento embaixo de uma árvore de copa larga bem verde, em uma montanha qualquer, sem conseguir apreciar a vista por que se imagina que jamais sairá dali. Ela é se sentir em um asteróide qualquer cuidando de algo como uma rosa que, você sabe, irá morrer. Igjugarjuk berro várias vezes. Igjugarjuk!
Penso nos versos do poeta "ouvir a voz de Deus num poço fundo" e imagino o que poderia ser um poço embaixo da árvore. Estranho como às vezes tenho controle sobre meus sonhos... Eu me aproximo do poço, ele espelha tudo. Vejo-me e agonizo de dor... Para os puros, tudo é puro. Para os porcos, tudo é porco... Assim me ensinou Z. Por isto vejo tudo tão negro? O tempo passa e me sinto melhor. Sorrio ao pensar que foi só uma indisposição. Tenho a impressão que vão me contar um segredo e me sinto até bem disposto. Mora em Roma! Vou pra Roma! Era o ridículo de tão simples refrão que escutava, mas que eu sabia que era algo mais. Só sentia, só tinha a intuição de que era muito mais. A música agora era só isto, um refrão. Era só a sensação de voltar para casa. Era a sensação de sorrir e chorar, cantar e abraçar o mundo quando queria calar e estar só.
Afinal, não precisava procurar nas alturas. Amar a Isolda das mãos brancas? Como ser? amar a Isolda das mãos brancas? Alguém tão comum como a Isolda das mãos brancas. Vou repetindo o que me vem do poço e o eco fica mais e mais longe, as palavras já se atropelam. Reconheço sensações, na minha cabeça, que a muito tempo não visitava. Estou próximo como a muito não sentia de todos os que me amam e aos quais eu amo. Reconheço este sonho. Lembra-me a espadana azul de que o Hermann Hesse fala. É um jeito meu de olhar para a Íris. Agora tudo é silêncio. Como é bom ficar assim...
Sem surpresa nenhuma pra mim um velho aparece, olha para o poço e começa a assobiar baixinho, aquela mesma cantiga que ninguém nunca compôs. Não consigo encará-lo e olho para baixo, suas palmas estão estendidas, parece com este gesto querer dizer que não tem nada o que esconder de ninguém, especialmente dele mesmo. Tem um J. e um C. em cada uma das mãos. Permanecemos assim por muito tempo e eu continuo sem poder olhar o seu rosto. Ele se vira de costas e ameaça partir. Toco em seu ombro e ele se vira novamente; enquanto levanto os olhos digo: - Joseph? Agora posso observá-lo bem. É um pouco mais baixo do que eu. Um velho bem sábio, penso, tem a fronte grande e o olhar, inquisidor sem deixar de ser terno é familiar. Os olhos são castanho-esverdeados, bem doces, o sorriso é largo e infantil. Tem a felicidade do renovar-se e a sabedoria do já vivi tudo; ele está mais perto do que qualquer um de saber a resposta da única pergunta sempre sem resposta. Quando eu sorrio e fico feliz ele toma isto como um gesto de cortesia e se põe a falar lindamente. Fala da nossa jornada pelas estrelas, de sonhos e de poesia. Era mais ou menos isto o que ele dizia, falando como eu sei falar, já que mal entendia um dos instrumentos da orquestra que era a sua voz, por que só conseguia me concentrar em uma face por vez do caleidosc?pio a que ele se referia em suas palavras (que intuía e agora sei, é a vida), por que é preciso apreciar um a um os instrumentos para se poder amar a música da orquestra. A voz dele continha tudo isto que a minha alma não sabe como reproduzir e que na minha mediocridade aparecia assim (o próprio sonho não passa de uma sombra):
Imagine, mesmo que só por um instante, a hipótese de que Deus não exista: que o homem, por um erro desajeitado do acaso, tenha surgido na terra entregue a sua condiç?o mortal, e como se não bastasse, condenado a ter consciência disto. Este homem, para enfrentar coragem para esperar a morte, tornou-se forçosamente um animal religioso, aspirando construir narrativas capazes de fornecer-lhe uma explicação e um modelo, uma imagem exemplar. E entre tantas que consegue imaginar - algumas fulgurantes, outras terríveis, outras ainda pateticamente consoladoras - chegando a plenitude dos tempos, tem, em um momento determinado a força religiosa, moral e poética de conceber o modelo do Cristo, do amor universal, do perdão aos inimigos, da vida oferta em holocausto pela salvação do outro. Se eu fosse um viajante proveniente de galáxias distantes e me visse diante de uma espécie que soube propor tal modelo, admiraria subjugado, tanta energia teogônica e julgaria redimida esta espécie miserável e infame, que tantos horrores cometeu, apenas pelo fato de que conseguiu desejar e acreditar que tal seja a verdade.
Z. e o meu mestre com os anos parecem carentes de algumas respostas e começo a buscar novas, principalmente fora dos livros. A experiência de um livro nunca é a experiência de uma vida. A busca de cada um é única. O dançarino continuar? sempre a me espreitar por que fala de uma grande porção de mim, como Joseph ou o bardo também falam; ele não fala a Verdade, é um dos lados do caleidoscópio de mil lados.
"O meu coraç?o é o sol, pai de toda a cor”. Acredite, os crist?os mais fervorosos são os ateus idealistas, se sabem que esta é uma das faces do caleidoscópio, uma das interpretações possíveis, uma das maneiras de sentir. É só uma das interpretações, descobri que sei bem menos do que imaginava sobre sonhos e especialmente sobre a vida. Nada pode estar fechado na minha cabeça, isto é o que eu enxergo hoje. Não sou um homem que sabe. Sou e serei sempre um homem que busca.
"A religi?o quando coloca seu foco na vida eterna é um tipo de morte por que nos distancia da vida e da verdade" (uma vez que apresenta uma resposta absoluta), que estão no mundo e não na possibilidade do eterno. Só tomo cuidado com o conformismo e com a intolerância. Quero aprender com modelos, mas viver o que sou. Um dia, talvez, será senso comum que "nunca houve arte ou religião, apenas medicina", e isto não será motivo pra se ter uma vida triste ou de um niilismo exacerbado. Um príncipe-filósofo já disse: as coisas afinal não são boas nem ruins, tudo depende apenas daquilo que acreditamos que elas sejam. Pra mim o valor das coisas esta exatamente no mesmo lugar onde cantava Z.:
Olhar pra vida, sem desejo -
Não com a língua pendente, como se fosse um cão.
Encontrar a felicidade na pura contemplação,
Como uma vontade que morreu,
O corpo inteiro frio e inerte, como cinza...
Percepção imaculada de todas as coisas!
Que é que ela significa pra mim?!
Que das coisas nada desejo
Exceto a permissão de ficar prostrado perante elas,
Como um espelho de mil olhos.
Ás vezes me pergunto o quanto quem acredita em Deus sabe o que é solidão (desculpe não quis ser grosseiro ou arrogante, mas Deus de certa forma é um conforto). Se você tem fé e se propuser a me escrever, eu gostaria que entendesse que esta carta e a sua resposta podem servir para que cresçamos, mas não gostaria de uma conversa unilateral, catequizadora no mal sentido da palavra, que é subestimar quem não compartilha da sua fé e desvalorizar a busca que talvez você já tenha enfrentado. A busca é sempre pessoal e você sabe que a fé não é explicável; é bem difícil argumentar usando a lógica de Aristóteles, as razões de um Deus pessoal, encarnado, mas é também subestimar a todos que têm fé, supor uma crença baseada no medo ou na ignorância. Não há ateus vivos. Para viver tenho a crença do Ibsen, a mentira como necessária a vida. O que pode me fazer é esperar e não exigir senão paciência, ou então se sua fé é frágil e "cresceu como crescem gatos e magnólias" não tem que sentir cada palavra como uma provocação (como disse o Emerson - o que me vem dos outros nunca é ensinamento, é só provocação). Se você souber aceitar conversas e tiver paciência para questionamentos será realmente interessante. "Ortodoxia, senhor(a), é a minha doxia. Heterodoxia é a doxia de qualquer outro."
Eu sonhei que meus pais tinham morrido. Sonhei que a minha família inteira morreu. Sim que eu podia parar de mentir. Quando eu encontrava uma garota já avisava: sabe que o amor é uma ilusão? Que todos somos uns bocós e uns hipócritas, quando não somos covardes ou mesmo insensíveis-egoístas? Mesmo assim está disposta a lutar numa vida a dois? Já tem amadurecimento pra não esperar de mim algum príncipe? Já sabe reconhecer o nosso legado enquanto descendentes de um macaco? Sabe qual a sua natureza? Amélia, Vênus de Mille, Pata, Simone de Beauvoir, Modelete, Psiquê, Magda, Capitu ou um busto bem pálido de Palas Atena? Se ela me mostra os dentes ou se ri, viro as costas e saio no mesmo passo lento.
De cara não suporto amélias, Magdas, Modeletes nem Capitus. A natureza Pata quase todas as mulheres que conheci tem dentro de si. As outras características são mais difíceis de encontrar. Como os homens que costumam não perder a de Lobo da estepe e de crianças.
Há um feminismo tolo, ignorante, mais obtuso que o machismo, por que nasce numa espécie de revanchismo, uma espécie de vingança contra o não preenchimento do ideal masculino estereotipado. Este feminismo move uma turbamulta de sexólogas que desprezam as diferenças psicológicas que uma diferença anatômica acarretam e vociferam bobagens como supostas verdades absolutas em nome de uma igualdade que deve se dar de diferentes formas em diferentes campos. Não acho que seria igualdade mandarmos para as provas de corrida que requerem força homens e mulheres juntos, como não seria mandarmos para as provas de ginástica artística mulheres e homens juntos. Estas sexólogas, este povo obtuso no fundo são uns frustrados. Morrem é de medo de se machucar e querem arrumar teorias para explicar e suprir as suas frustrações. Manda o Hanibbal Lecter se auto analisar! Hahahhaha Manda alguém que largou a mulher por uma menininha mais nova dividir esta menininha com algum pivete que agüenta 10 vezes mais sexo do que ele. Manda ela cuidar dele quando ele ficar velho e doente. (etcha peguei pesado! =-) Manda perguntar pra ela se ela acha legal daqui a três meses ele arrumar outra ainda mais nova, da qual ele vai se gabar para os amigos do trabalho fazendo gestos bem finos.
Há uns 5 anos eu fui morar fora da casa dos meus pais e pastei um bocado. E ainda pasto. Primeiro, auto-estima baixa, depois a luta por começar a conhecer meus próprios gostos. Sair de casa é jogar fora as muletas e é perder o cabresto. Se dá pra olhar pra cima e ver melhor as estrelas, dá pra olhar pra baixo e ver melhor o abismo... Mas não sou pessimista. Estou pronto para acreditar que a vida pode me reservar coisas boas. Que há quem tendo consciência disto queira viver tudo como um milagre e saiba valorizar o que há de bom também. Que medite a cada dia sobre a fragilidade da vida e isto lance em seu coração mais e mais força e doçura.
Quando eu tinha uns 21 anos, vivia enfurnado em casa. Eu estava no 3º ano de Processamento de Dados na FATEC e minhas leituras continuavam apesar da monografia que eu estava escrevendo pra faculdade. Foi quando descobri melhor a obra do Campbell e nas minhas limitações imaginei fechar na minha cabeça algumas coisas. Então escrevi um conto bem ridículo, fantasioso (nada do que esta ali jamais aconteceu), cheio de alusões tolas e lugar comum. Resolvi reescrever algumas partes, o ideal era escrever algo novo, mas eu simplesmente não consigo mais escrever. Sinto-me "um balde despejado", parece que estou vazio, sem conteúdo depois de escrever este texto
G-F@bula.
"Love-me, and leave-me not."
De G. Para A.
Ol? A.!
S?bado, 8:01 hs.
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Uma vez há muito tempo,
Num reino a beira mar,
Uma moça escutou três perguntas,
E guardo-as debaixo da cama,
E riu de quem falava delas,
E aceitou-o perto de si
Como se tolera um cão,
Que fica sempre num canto
Por ser inofensivo:
1- Deus sempre existiu. (partindo do pressuposto que ele existe é claro) Se ele sempre existiu, qual a necessidade (como se Deus tivesse necessidades) Alguma religião fala disto? Amor? Carência! Partamos do principio de que Deus exista. Ele deve abranger toda a matéria do universo. Tudo seria parte dele no principio. Partindo disto, seriamos apenas uma manifestação desta matéria. Com que objetivo perder consciência do todo? Por quê? Evolução, como diriam os espíritas, não pode ser uma resposta convincente, pois sabendo onde iríamos chegar, qual a utilidade de um percurso? Mera distração, como uma menina ao brincar com as rendas do seu vestido? Se ele criou os seres humanos, anjos e tudo o mais, ele sabia pela sua onisciência que Lúcifer iria negá-lo e o que cada um que criou iria fazer. (respondendo desde já a quem falar em livre arbítrio) Como alguém que sabe tudo pode simplesmente criar algo que não tenha controle. Pra que criá-lo imperfeito... No momento em que criou ele já sabia o que aconteceria, por que criar? Culpa de Deus então?! Sthendall escreveu certa vez: a única desculpa de Deus é que ele não existe.
2- O que torna uma religião melhor do que outra? Por que um muçulmano que nasceu nesta cultura se tornaria necessariamente cristão? Por que ele deve ficar nas "trevas" e não enxergar o verdadeiro Deus?! Por que a Bíblia é a verdade? Por que não se pode supor que monges, copistas aperfeiçoaram ou compilaram textos e que Jesus possa ser um gênio que encontrou a sabedoria como Shakespeare ou Gandhi? O que a torna a palavra de Deus?! Pensando então em qualquer religião, o que torna o seu texto a verdade irrefutável da nossa espécie? Por que motivos religiosos como nascimento virginal, o filho de Deus vivo, reencarnação, ascensão ao céu, quando aparecem em outras religiões ou em outros povos, mais antigos ou do oriente, são tomados por nós como mera superstição, mas cremos fielmente, sem titubear, que os nossos rituais e crenças são verdadeiros?! Se as religiões são um caminho, qual delas é a correta? São conflitivas. Nossa Senhora, Jesus ou Buda? Reencarnação, purgatório, céu, nirvana? Não são de forma nenhuma visões diferentes da mesma coisa quando se acredita nelas literalmente, como verdades e fatos, não verdades interiores e um sentido humano-biológico maior que todo mito têm.
3 - O fato de alguns remédios mudarem a nossa personalidade quando os tomamos, tornando-nos menos apáticos, mais felizes, alterarem a personalidade até, por exemplo, na agressividade de um psicopata, não mostra que somos um robô biológico? Tentando explicar melhor, se somos suscetíveis a mudanças psicológicas devido a uma química cerebral e a ciência vem evoluindo para um mapeamento cerebral, não será justo pensar que somos como uma máquina? Com engrenagens e processos estabelecidos não por aço e graxa, mas sim por fluidos orgânicos e células. Algumas abordagens psicológicas Lacan, Adler, Jung, contextualizam nossas atitudes como ação e reação em decorrência de um histórico pessoal e de uma vida coletiva. Isto não dá o que pensar? Não fornece uma explicação mais coerente, ou pelo menos mais pé no chão do que usar dogmas para explicar a nossa realidade visível?
E são tantas outras... Quando o último macaco gerou o primeiro ser humano? Por que não há milagres irrefutáveis a luz do dia neste século, com a CNN filmando? Por que a fé sempre é um requisito pra se enxergar a verdade? Por que Deus se esconde? O Diabo foi feito a partir de Deus? Há ateus com medo de deixarem de ser ateus? (sinceramente duvido)
Beijo!
G.
PS: (Desculpe se o texto parece arrogante. Na verdade são dúvidas para as quais não consegui outra resposta senão: o homem n?o entende Deus.) Mas não dá pra aceitar simplesmente qualquer coisa que me digam, como verdade absoluta, simplesmente por que para outros, estas perguntas deixaram de fazer sentido.
Aceito como Campbell as palavras de Kant: "na verdade a expressão exata para o nosso modo falível de conceber seria que imaginemos o mundo como se seu ser e seu caráter interno fossem derivados de uma mente suprema".
De A. para G.
Subject: Oi Gu!
S?bado, 14:50 hs.
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Oi lindinho! Que texto é este?
Aposto que você ficou sem graça por que seus amigos me viram saindo do seu quarto pela manhã não? Mas que coisa! Que inversão de papéis. Você veste saias eu calças. George Sand e Chopin? =-) Não imaginava que eu fosse ficar toda sem graça né? N?o tenho estas frescuras... Deve ser esta minha carinha de menina que engana! HEHEHHE O que eu tenho, é um indiferentismo que beira a vulgaridade, uma preguiça porca e uma voracidade de ser natural. Só uma coisa me incomoda mais que este meu estado: estar viva. De alguma coisa pode-se fazer nada? Pois é como eu me sinto. Nada. Desperdício de tempo e de esforço meu e dos outros. Estou estagnada, embrutecida e mal humorada. Aconteceu-me o pior que pode acontecer a alguém: perdi o senso, todos os parâmetros. E tudo só tem uma causa: não creio em nada.
Apronte-se, estou passando pra irmos ao Opção. Você não tem opção, tem que ir!
Beijo
A.
De G. Para A.
Subject: Ol? Gu!
Domingo, 7:59 hs.
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Se justificar é o que melhor fazemos não? Dúvidas... Quem não as tem?
Medos, só não tem quem não reflete. Eu sofro de um mal parecido: a falta de fé em mim e nos outros. Por que você acha que me sinto tão a vontade com você. Esqueço das frescuras, dos atavios emprestados, que o bom senso nos levam a tomar. Concentro-me no essencial e discutimos as únicas coisas que não me entediam: arte e mitologia.
Tédio... Este é o meu problema. Tédio! Da vida! Se há um Deus só nos resta obedecê-lo. Se não há Deus algum, só nos resta obedecer a nossa natureza, o que não quer dizer sucumbir aos defeitos, mas seguir algo que já está predeterminado e que acontecer? por uma mera combinação de fatores internos e externos a nós mesmos (na verdade há uma única interação, entre tudo). Respondendo o que me disse: melhor continuarmos amigos né? Não quero pensar: pra que tudo começou, quando tudo acaba? Você é normal demais pra entender de neura! Usar piercing e o cabelo roxo não torna você única, mas talvez sirvam ao propósito de chamar a atenção da tua família. O que vejo de diferente em você é que parece que não espera ser conquistada como as mulheres que eu conheço. Não espera que tomem a medida das coisas por você. Mas o que há de mais romântico em mim você não aceitaria, tomaria por fraqueza. Sério, às vezes acho que você é machista! HAHAHHAHAH HAAH HAH
Assisti a alguns episódios do decálogo hoje, aluguei todos, acho que te disse ontem. É uma série que passou na cultura, feita pra tv. Tem uma sensibilidade, uma maneira indescritível para tratar do silêncio... Passa aqui na sexta pra assistirmos, chamei a minha irmã além do pessoal da república. Você vai gostar de conhecê-la.
Beijo
G.
De A. Para G.
Subject: Olá Gu!
Domingo, 12:52 hs.
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Meu Guzinho, =-) o que seria a vida sem as interrogações?
Do seu tédio eu entendo...ás vezes, apenas pra que algo mude tenho vontade de cometer alguma loucura. Certeza absoluta que chatice... Onde está o homem está o risco. "A vida foi feita para quem nasce para a conquistar e não para os que sonham apenas em conquistá-la, mesmo que tenham razão”.
A-quase sua
De A. Para G.
Subject: Ola Gu!
Domingo, 14:17 hs.
Gu, tenho que estudar hoje, mas estou com vontade de te ver. Vem pra cá!
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De G. Para A.
Subject: Onde está à Íris?
Quinta 17:00 hs.
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Oi! Passei na sua casa, não tinha ninguém, deixei um bilhete.
Bem, acho que vou ao cinema, vou lá no espaço Unibanco, me liga antes das 20:00.
Lembro do rosto do Tomek em "Não Amarás" e reconheço em mim os mesmos sentimentos a mesma tristeza submissa e clara, sincera até o ultimo fio de cabelo, a mesma decepção, a mesma ingenuidade...
Pra ser sincero, mesmo o estoicismo conveniente de quem se imagina livre parece estupidez pra mim. Não acredito que haja nem sequer vida em nós. Robôs (mesmo os biológicos) não têm vida. Têm reações.
Isto n?o me impede de ser feliz ou mesmo de gozar ótimos momentos, mas não me permite uma visão sobre as coisas que não seja crua e intimista. Mesmo assim, acredito na "vida". Acredito sim em poesia e em estética. Acredito em alguns poucos que entendem o que estamos passando e a agonia e a maravilha que é respirar e olhar pra si mesmo e ao redor.
Se eu ainda vou estar com alguém ser? "uma pessoa íntegra nas coisas do espírito até as últimas conseqüências. Alguém que jamais se pergunte se a verdade é útil". Vou lá pra fora olhar pro céu e rir feito criança.
Sinto falta do mestre...
Se eu pudesse controlar bem meus sonhos,
Teria uma bela fantasia,
Sonharia com ele bem velhinho
E que era o meu avô.
Ele sorriria sempre muito calmo,
Especialmente antes de dar uma piscadela
Ou ao ascender o fumo de corda;
Abraçaria todos que viessem ao seu encontro,
Entusiasticamente,
Riria de tudo que dissessem,
Alegre ou triste,
E pra tudo acharia o lado bom.
Num s?tio qualquer, bem pequeno e acolhedor,
Minha filha de três anos,
Quando acordasse bem cedo,
Iria ao seu encontro,
E eles brincariam de roda só os dois,
Quando ela então fecharia os olhos pretos
E jogaria o cabelo pra trás com a mesma expressão do avô.
Os dois passeariam de m?os dadas pelo jardim,
Ela saltitando, ele soltando largas baforadas.
Bem mais tarde,
Eu deixaria os livros jogados e correria para procur?-los;
E eles apesar do meu semblante sério,
Ririam sempre do que eu diria,
E zombariam de mim:
- Pare de se preocupar tanto...
E o que fazer então?
Fico triste por supor que isto não pode perdurar
E que nunca mais terei uma sensação tão doce.
Beijo
G.
PS: O pior é que tenho vontade é de abandonar esta vidinha de médio-burguês e o que me falta é vontade, vontade pra ficar parado. Pra sucumbir a alienação e a preguiça e dormir... Dormir! Esquecer de fazer qualquer coisa e talvez ser útil a alguém. Você me perguntou por que não quero mais vê-la senão como amigo. No momento em que eu começar a demonstrar que gosto você vai começar a se entediar e vai partir pra outra conquista. O que eu sou você acha bonito, mas não compreende. Acha que a minha atitude é às vezes um capricho sem sentido. Pra você é sem sentido a busca. "Quando você se lança numa jornada e o fim parece cada vez mais distante então se percebe que o verdadeiro fim é o percurso". A busca é a jornada. "E lá onde esperávamos matar alguém, mataremos a nós mesmos. Onde imaginávamos viajar para longe, iremos ter ao centro de nossa própria existência". Pretensioso? E verdadeiro. Se eu olhar para um ponto fixo e este ponto não for acima das minhas forças, como vou então poder melhorar?
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De A. Para G.
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Subject: Pedindo em namoro.
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Segunda, 7:17 hs.
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G., meu nego lindo. Você em nada acredita? Nada sente e tudo sente? Que bom. Você pensa que se conhece? (sabe quantas vezes piscou os olhos hoje?)
Você chora? Vive a cata de momentos perfeitos? Vive o momento como se fosse uma eternidade? Que bom. Você ama mesmo sem acreditar no amor? Diz-se ateu gritando - Deus está morto e é chegada a hora do super homem - o homem Deus? É a reação quando já não se acredita em ação? Que bom. Desespera quando a regra é não desesperar? Finge amar mesmo sabendo que é apenas um momento de gozo? Urina, defeca, dorme, come, odeia, erra, chora, ama, mente, ilude, se diz bom e se diz mal e pensa que sabe o que nada sabe? Perca o medo de errar. “Alguém que se incline à consciência deve não só poder amar seu inimigo, como deve também poder odiar o seu amigo.” Você tem todos ingredientes que chamamos de Humano que bem misturados dão um bolo apetiTuso, sabia?
"O que n?o nos mata, nos fortalece". Você me fez chorar? Saudades e odeio você, sabia? A. que não sabe, o que é sua (?). Você, o que será meu? Estou me sentindo presa, com aquelas obrigações cristãs que já abandonei. Espere que eu to chegando!
A. sou eu tanto quanto G. Na verdade usei A. pensando na Ânima. Olha o segredo de aborrecer, disse Voltaire, é dizer tudo, ou melhor ainda, quem ouve imaginar que já escutou tudo, então me deixe parar por aqui. Sem falsa modéstia não aprendi o que significa "conheça a ti mesmo", e mesmo que soubesse mil vezes mais, qualquer coisa que eu diria seria reducionista, não sou capaz de sintetizar um espírito.
Uma última coisa a dizer sobre quem procuro. Um colega que faz parte de uma instituição da Igreja católica me pediu que assinasse uma espécie de clube do livro da Quadrante (editora católica) e acabei recebendo em casa um livro de título pretensioso. Comecei a ler e me interessei mais e mais. O autor era padre e vi citações dos meus autores favoritos; inclusive de autores que imaginei que ele abominasse: ateus. Fiquei um tanto quanto estupefato. Esta estupefação não cessou com a leitura. Vieram outros livros. Todos praticamente são como uma conversa. Com simplicidade e verdade enormes, sem moralismos, sem preconceitos tolos ou qualquer coisa no gênero. O autor é alguém que não conheço senão através dos livros e que apesar de ser nosso contemporâneo, nunca vi foto ou soube da biografia (exceto que é bispo auxiliar do Rio de Janeiro). Chama-se Rafael Cifuentes (permita-me que o chame sem a reverência que sua posição pede). Nestes livros ele é feijão com arroz em questões mais complexas, mas não deixa de ter uma grande sabedoria quanto à convivência e cotidiano. Lembrei deste trecho bárbaro (há muitos outros):
"Uma pessoa recém-casada contava-me a algum tempo o que lhe tinha acontecido na noite de n?pcias. Entrou no quarto, onde a esposa estava se trocando, sem bater na porta. Ela, sem se perturbar, pediu-lhe com voz calma: Faça o favor de sair e de bater na porta antes de entrar. Ele ficou surpreendido, confuso, e disse: Puxa, não sabia que gostava tanto de <>. Ao que ela retrucou com uma ternura e uma elegância irrepetíveis: Fiz isto para que você sempre dê valor ao fato de lhe permitir que entre na minha intimidade." A mulher, conclui, "quando não se deixa submeter a propaganda massacrante da m?dia, valoriza muito sua intimidade, o pudor representa muito para ela".
Se, por um acaso, você cruzar na rua com um rapaz um pouco despenteado, se ele ri de maneira infantil e comovente, e se gaba da boa sorte que tem, não se importe com ele. Ele está se encontrando. Vive-se esperando encontrar sempre algo, mesmo quando se imagina que não há o que encontrar, mas não fica perdido quem quer aprender a amar.
Às vezes sonho com você de calça branca, a maquiagem bem leve, uma blusa tom pastel e te vejo rindo às gargalhadas a dizer: ria menino, ria! Então cantamos juntos uma certa valsinha e aprendemos assim a seguir com as coisas:
"Um dia ele chegou tão diferente do seu jeito de sempre chegar,
Olhou-a dum jeito muito mais doce do que sempre costumava olhar
E não maldisse a vida tanto quanto era seu jeito de sempre falar,
E nem deixou-a só num canto, pra seu grande espanto convidou-a pra rodar.
Então ela se fez bonita como a muito tempo não queria ousar,
Com seu vestido delicado cheirando aguardado de tanto esperar
Depois os dois deram-se os braços como há muito tempo não se usava dar.
E cheios de ternura e graça foram para a praça e começaram a se abraçar...
E ali dançaram tanta dança que a vizinhança toda despertou
E foi tanta felicidade que toda a cidade enfim se iluminou
E foram tantos beijos loucos
Tantos gritos roucos como não se ouvia mais
Que o mundo compreendeu
E o dia amanheceu
Em paz“.
Ás vezes, tenho receio de que a Emily Dickson tenha razão e que a vitória seja mais doce a quem nunca sucede. Que há derrota na vitória.
O que sei é que não posso viver um único dia em que a música e a poesia não sejam o mais importante, sem que este não seja o centro da minha vida.
Se eu estou contente comigo? Simplesmente estou contente.
Será que um e-mail pode despertar o interesse de alguém, pelo menos o suficiente pra que possa querer me conhecer (quiçá novos amigos também)? Uma amiga me dizia, que os fatos que ocorrem na vida de alguém sem crença em além mundo tem um peso maior para esta pessoa, de uma maneira geral tudo se torna mais decisivo e importante se a perspectiva não é um céu, se não há uma lógica redentora, se não existem motivos ocultos. Os não crentes de uma maneira geral têm tendência a cobrar mais de si pelos erros e falhas que os crentes, por que os acidentes e os eventos no percurso, crêem, são de responsabilidade só deles. Ignoro se isto é verdade.
Nunca sei se acredito que "aquilo pra que se tem palavras já esta morto em nossos corações", ou se o sentimento permanece "infinito nas palavras como o era no coração", talvez nos dois, que estão nesta mistura confusa e algo sonhadora, que eu acabei de escrever.

Como num grande conto de fadas: a história ainda não acabou se ainda não deu certo. Sempre se esta mais perto, quando não se esta parado. Qualquer lugar comum com o que você já leu ou pensou, não é mera coincidência.
"A compreensão do néctar, requer severa sede".
PS: Há um país que massacrou bastante as suas nações indígenas e que hoje explora o resto do mundo não apenas como qualquer outro império já fez, mas em proporções maiores e ainda mais covardes; são os que se autoproclamaram a polícia do mundo. A pouco atacaram um país que precisaria de 300.000 anos, ou seja, toda a história da humanidade enquanto homo sapiens, para obter os mesmo recursos que esta nação covarde obtém todo ano. Pra que alguém que tem boa intenção faz armas nucleares e mísseis de ataque? Se a gente olha pra algo mais que o nosso umbigo, são tempos bem tristes estes em que vivemos. São tempos de desespero e de falta de perspectivas para muitos. Talvez não pra mim ou pra você individualmente, não agora pelo menos, mas já hoje, para muitos da nossa espécie... Na metade do século XIX o governo desta ditadura das aparências fez um inquérito sobre a aquisição de terras tribais para os imigrantes que chegavam ao país. A resposta do chefe Seatle foi uma carta:
"O presidente informa que deseja comprar nossa terra. Mas como é possível comprar ou vender o céu, ou a terra? A idéia nos é estranha. Se não possuimos o frescor do ar e a vivacidade da água, como vocês poderão comprá-los?
Cada parte desta terra é sagrada para o meu povo. Cada arbusto brilhante do pinheiro, cada porção de praia, cada bruma na floresta escura, cada campina, cada inseto que zune. Todos são sagrados na memória e na experiência do meu povo.
Somos parte da terra e ela é parte de nós. A água brilhante que se move nos rios e riachos não é apenas água, mas o sangue dos nossos ancestrais. Se lhes vendermos nossa terra, vocês deverão lembrar-se de que ela é sagrada. Cada reflexo espectral nas claras águas dos lagos fala de eventos e memórias na vida do meu povo. O murmúrio da água é a voz do pai do meu pai. Se lhes vendermos nossa terra, lembrem-se de que o ar é precioso para nós, o ar partilha seu espírito com toda a vida que ampara. Ensinarão vocês às suas crianças o que ensinamos às nossas? Que a terra é a nossa mãe? O que acontece a terra, acontece a todos os filhos da terra.
O que sabemos é isto: a terra n?o pertence ao homem, o homem pertence a terra. Todas as coisas estão ligadas, assim como o sangue nos une a todos. O homem não teceu a rede da vida, é apenas um dos fios dela. O destino de vocês é um mistério para nós. O que acontecerá quando os búfalos forem todos sacrificados? Os cavalos selvagens, todos domados? O que acontecerá quando os cantos secretos da floresta forem ocupados pelo odor de muitos homens e a vista dos montes floridos for bloqueada pelos fios que falam? Onde estarão as matas? Sumiram! Onde estar? a águia? Desapareceu! Será o fim da vida e o início da sobrevivência.
Quando o último pele vermelha desaparecer, junto com sua vastidão selvagem, e a sua memória for apenas a sombra de uma nuvem se movendo sobre a planície... Estas praias e estas florestas ainda estarão aí? Alguma coisa do espírito do meu povo ainda restar??
Amamos esta terra como o recém nascido ama as batidas do coração da mãe. Assim como somos parte da terra, vocês também são parte da terra. Esta terra é preciosa pra nós, também é preciosa pra vocês. Uma coisa sabemos: existe apenas um Deus. Nenhum homem, vermelho ou branco, pode viver a parte. Afinal, somos irmãos.
Que assim seja.

?? O que me diria se eu perguntasse: o que faz você levantar pela manhã? Espero comentários "Pra que tudo começou, quando tudo acaba?"

Comentários

Albino disse…
Cara, tu me pareces uma alma sincera e sensível! Conseguiste o que hoje me parece verdadeiro milagre: passar pela vida sem construir um muro de preconceitos (como tijolos) mesmo quando não se tem a proteção da fé.
Conseguiste também minha empatia instantânea.
Conheço poucas pessoas dispostas a discutir a o dom da fé sem vivê-la primeiro e isso é para mim um sinal de uma surpreendente sinceridade.
O que posso te passar da minha experiência ateísta (90% dos anos de minha vida) olhando agora para trás é que o principal obstáculo da fé é o apego à soberba. É o apego à posição do centro (o status de Deus) do teu próprio mundo.
É o brilho do ouro dos trouxas. Estamos convictos que estar no centro, no controle de nossas vidas -mesmo que imaginário- é a nossa felicidade.
Algo belo que aprendi vivendo a fé é que ela é ao mesmo tempo intelectual/racional, portanto natural, e Divina/espiritual, portanto sobrenatural.
A fé integra o conhecimento materializado biologicamente em seu corpo físico -no cérebro- e a capacidade da alma humana de olhar para cima.
Em meu caso, não sei como, a frase "tem algo errado! isso não está fexando!" ficava se repetindo na minha alma dia e noite. Queria dizer "o que eu vejo não é a verdade completa, tem algo que eu não vejo que completa isso aqui... sem isso a vida é o absurdo de Sartre" , no entanto, eu já havia percebido que Sartre é a estúpida soberba intelectual de dizer que o sentido de tudo não existe simplesmente por que eu (o Deus) não consigo encontrá-lo.
A fé entrou aí, pois comecei a procurar a resposta na filosofia dos que tive acesso num primeiro momento foi Platão que mais me serviu, portanto, rapidamente percebi que a filosofia é árida -limitada- não respondia um centésimo das perguntas que eu tinha, então comecei a me surpreender rezando -Deus se mostre pra mim, me dê um sinal, me diga o caminho...- daí algo surpreendente aconteceu: a cognição de que eu não estava falando sozinho! pura e simples!
Frases como "apelar para Deus é aceitar que não tem explicação é ser fraco", "isso é alguma espécie de fulga, consolo psicológico, fruto da minha necessidade humana" vinham a mente e se desmanchavam perante o saber que Ele estava alí presente e sempre esteve.
O sentido que encontrei para vida foi que não estamos aqui para nós mesmos, estamos aqui para Ele. Para na plenitude de nossa liberdade escolhermos Ele, por amor.
Por mais que eu procurasse a minha auto-realização eu não encontrei por que a minha realização transcende a ela mesma, a minha realização é realizar Ele.
A fé foi ver com clareza cristalina isso que consigo espressar osbcuramente com palavras confusas.
Olha, vou ficando por aqui pra não te cançar.
Espero que minha experiência te contribua em algo.

Gostei do teu texto,
Albino

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