Eu conheci um homem que, cego de nascença, na minha idade passou a enxergar. Entusiasmado, não conseguia conter o choro ante a perspectiva de enfim ver as filhas. Mas o mundo era muito mais amplo e não só elas ele percebia. A cada nova experiência a riqueza da vida humana plena, que êxtase! Quantas coisas para aprender, este universo inexplorado. Viajou, conheceu, vivenciou... Viu paisagens, pessoas, seus gestos e rostos... Não demorou e as coisas começaram a mudar. O mundo era muito mais pobre que o imaginado. Ninguém tinha lhe dito que havia tanta sujidade, tanta fealdade, e ele via coisas abjetas por todo o lado. Quando era cego atravessava a rua sozinho, agarrado a uma bengala, mas agora, depois de recuperar a visão, tinha medo de se aventurar. A ternura e a beleza das filhas eram motivo de desconforto amargurado: passei a minha condição para alguém... Atônito, emudeceu.
Aprender a amar ou iludir-se voluntariamente. Como estou deixando de ser um lobo da estepe...
Quem tem dEus não precisa dos outros... Quem aprendeu a ver flores, não precisa mais inventar dEus.